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O que é a baixa auto-estima cinematográfica no Brasil *

Este é um post puramente analítico e abstrato – assim como a maioria deles. É um “grito” diante de uma situação que, particularmente, acho absurda. Vamos ao prólogo. Não sei se é do conhecimento de todos, mas os brasileiros sofrem de uma grave baixa auto-estima cultural. No entanto, no grupo de intelectuais do nosso país este panorama é ainda mais brutal. Acredito que seja um problema histórico, com raízes nos idos dos anos 20. Período em que se copiava tudo de fora – roupas, cabelos, músicas, móveis, romances, tudo era “enlatado europeu”. Mas, pensando melhor, acho que começou muito, muito antes, mas deixa isso para uma outra análise.

O fato é que temos um olhar mais severo a respeito daquilo que é produzido aqui, do que com as coisas que vem de fora. Isso é facilmente comprovável. Procure conversar com os seus amigos sobre cinema. Faça a experiência – se já não fez – e me diga se estou errada. Toda esta autocrítica destrutiva se reflete no insucesso contínuo de bilheteria dos filmes nacionais dos últimos anos. Minha opinião é de que existe um círculo vicioso que é quase uma maldição na produção cinematográfica do nosso país. Nesse ponto, a questão mais importante é, sem dúvida, a nossa educação deformada, desmoralizada e dormente. Diante disso, está sendo criada uma cultura cruel de desvalorização das nossas produções. É impressionante como parece pesar mais ao bolso comprar um ingresso para assistir a um filme nacional. Frases como “Ah, se é para gastar dinheiro, não vai ser com filme brasileiro” são tristes de se ouvir.

Compõem este ciclo malévolo, as dificuldades encontradas na realização das produções. Característica que até já citei outras vezes: a polêmica questão do financiamento público, a transitoriedade vertiginosa da lei Rouanet e por aí vai... Diz-se que achar errado gastar dinheiro do governo em bens culturais é coisa de um povo que não dá valor à cultura, sem educação. A parte do sem educação, nem preciso comentar. Agora, façamos uma análise de quais são as faixas de poder aquisitivo frenquentam as salas de cinema no Brasil. Analisemos o quanto sobra para um brasileiro da classe C gastar com cultura. Dado importante: segundo um estudo publicado em abril do ano passado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 93,7% da população de jovens do país não consome cinema. E aí, o que dizer a respeito disso? Não sobra dinheiro para ir ao cinema! E a classe média que tem o poder aquisitivo, na maioria das vezes prefere assistir coisas do tipo “American pie”. É essa a realidade. Fora deste contexto, há uma boa produção interna e de todo o mundo que só chega aos cinéfilos, que não pesam tanto nas estatísticas de um país como o Brasil.

Outro motivo para esta crise que vivemos chama-se pornochanchada. Na minha humilde e modesta opinião, esta tendência comercial com seu auge nos anos 70 é mais uma das heranças malditas do período da ditadura. Quero deixar bem claro que isto nada tem a ver com puritanismo. Só que não consigo ver neste tipo de produção nenhum valor estético. Absolutamente nenhum. Sabe aquelas coisas que poderiam não ter existido? Então. Histórias canhestras, enredo confuso, fotografia tosca... Aqueles que viveram intensamente esta época, guardam um ranço e acham que todo filme brasileiro é isso. E quem não viveu é, muitas vezes, contaminado por esta visão. E seguem os comentários que sempre se repetem: “Filme brasileiro só tem xingamento e put...”. “Para que eu vou assistir isso, é sempre a mesma coisa”.

Além de tudo isso, a fraca divulgação de produções tupiniquins fora do padrão globo (e às vezes mesmo dentro dos padrões, por mais incrível que pareça). Esses filmes ficam nos grandes cinemas por, no máximo, duas semanas. As salas que fazem a projeção por mais tempo se localizam em Botafogo, Leblon, Gávea... Localidades hiper populosas e freqüentadas por todos, não é? Para conseguir assistir um filme recente e super premiado com a atriz Leandra Leal “Nome próprio”, por exemplo, eu teria que ter corrido para os cinemas da zona sul. Não deu tempo.

Para ilustrar vamos aos [absurdos] números: No primeiro semestre de 2007, apenas um filme nacional constava da lista das dez maiores bilheterias do ano no Brasil, A Grande Família. Enquanto Homem-Aranha 3 levou mais de 6 milhões de pessoas às salas brasileiras, A saga da Família Silva (global) reunira pouco mais de 2 milhões. Somando as bilheterias dos 39 filmes nacionais lançados no primeiro semestre, chegava-se à soma de apenas 4,8 milhões de espectadores - o filme Lua Cambará foi visto por apenas 59 pessoas! Enquanto isso, segundo levantamento do Sindicato dos Distribuidores do RJ, no mesmo período os estrangeiros atraíram 43 milhões de espectadores. (Dados do site da revista Mundo Estranho, bem sugestivo!)

Quando inicio uma conversa com esta direção, as pessoas sempre me pedem sugestões de bons filmes brasileiros que não se utilizem apenas dos elementos batidos, também usados em qualquer cinema do mundo em abundância: palavrões, violência e sexo. Então, vamos lá, vou listar aqueles que eu lembrar: “Bicho de sete cabeças”, de Laís Bodanzky, “Amores possíveis” e “Pequeno dicionário amoroso”, de Sandra Werneck, “O auto da compadecida” e “Romance”, de Guel Arraes, “Quase dois irmãos”, de Lucia Murat, “Central do Brasil” e “Abril despedaçado”, de Walter Salles, “Houve uma vez dois verões”, “O homem que copiava” e “Saneamento básico”, de um dos meus favoritos Jorge Furtado, com restrições “Deus é brasileiro” e “Orfeu”, de Cacá Diegues, “Jogo de cena”, de Eduardo Coutinho, “Tropa de Elite”, de José Padilha. Entre muitos, muitos outros mesmo. Sejam produções de ficção ou documentários, existe muita coisa de qualidade que já foi feita, que está sendo feita e que está por fazer. O importante é manter “corações e mentes” abertos e tentar mudar aos poucos uma realidade de preconceito e aceitação de características de subcultura.

Para finalizar, reconheço todos os problemas que temos. Listei aqueles que acredito sejam alguns deles. Poderia escrever muito mais, afinal problemas não faltam. E reafirmo minha crença no poder contido no cinema. É um mecanismo que pode ser maravilhoso de diferentes maneiras, com diversas linguagens. Com um olhar mais aguçado, pode-se extrair um pouco de uma cultura sem sacrifícios. Mas é, acima de tudo, uma forma de expressão da subjetividade humana super importante. Com curiosidade e sensibilidade, o cinema pode auxiliar no amadurecimento, na formação de cada um como componente estrutural nesse mundo louco e efêmero. Sem mais delongas, é isso.

Desolé pour la botheration...

*Horas de conversa com pessoas inteligentes me motivaram a escrever este texto, algumas delas: Giuliana Santi, Wedis Martins e Layse Ventura.

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5 comentários:

Wedis disse...

Ótimo texto. Boa análise. Uma verdadeira aula!

Estou deixando de ter esse préconceito. Tenho consciência que tem muita coisa boa produzida no cinema brasileiro.

Acrescentaria à sua lista o filme "No ano em que meus pais sairam de casa", é muuuito bom.

Tamyres Matos disse...

Assim você me superestima! Nada de aula... apenas um sóbrio e simples borbotar de palavras. Mas obrigada!

Igor Mello disse...

Grande texto, filha. Grande texto.

Concordo em gênero, número e grau com a análise e acrescento: em geral, por aqui os filmes que têm alguma aspiração artística são pouco divulgados e os que buscam tão somente o entretenimentos são mal feitos. Não podemos mesmo levar ninguém ao cinema desse jeito.

Você não citou "Cidade de Deus" ou é impressão minha. Ah, e também faltou "Estômago", uma das histórias mais criativas e bem conduzidas que vi nos últimos tempos!

Tamyres Matos disse...

Deixei de citar muitas obras importantes, querido Igor. Foi só para efeito de rememoração de boas idéias mesmo. Obrigada mais uma vez pelas palavras.

Anônimo disse...

Eu ia publicar uma coisa inteligente, mas vi meu nome no final e soh exclamei: "Ih, sou eu!"...Lol! =D