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O Espetacular Homem-Aranha


"Precisamos falar com honestidade para as pessoas. Não há nada mais importante do que isso" Hanif Kureishi

A frase do escritor inglês dita na Feira Literária Internacional de Paraty (Flip), dentre muitas de que recebi através de relatos de amigos presentes, cabe perfeitamente para definir O Espetacular Homem-Aranha (The Amazing Spiderman).

O filme de Marc Webb (500 dias com ela), um reinício para a trilogia de Sam Raimi iniciada em 2002, já gerou burburinhos antes mesmo de sua concretização. Refilmar uma história contada 10 anos antes? É mesmo necessário?
A trilogia do Aranha de Raimi tem um ótimo início, um segundo filme ainda melhor e um dos finais mais decepcionantes para os fãs do personagem e de cinema, com uma história muito aquém do potencial desenvolvido nos primeiros.

Histórias de bastidores dizem que a pressão dos produtores sobre Raimi foi sufocante, o que fez o diretor perder a mão e abrir uma série de concessões, incluir um vilão não planejado e retocar o roteiro no arco final, o que resultou num filme confuso e sem alma.

Os fãs reclamaram que a história de Peter Parker com Mary Jane e a utilização de Gwen Stacy ficou em segundo plano, justo a parte mais interessante do contexto e com maior potencial, culminando num desfecho bobo, insosso. Baseado nisso, não ia demorar muito para que os produtores quisessem recontar a história do cabeça-de-teia nas telas novamente.

História de amor e de pessoas

O mote que guia Peter Parker/Homem-Aranha é sobre fazer escolhas. Qualquer decisão nossa leva a um caminho, às vezes inesperado e surpreendente. O pulo do gato é saber o que fazer com os resultados.

Weeb sabe exatamente o poder de suas escolhas. Várias passagens de O Espetacular Homem-Aranha homenageiam o original de Sam Raimi, mesmo porque o material disponível era praticamente o mesmo, mas com um senso muito mais humano e emocional.

Como história de origem, o filme é mais fiel aos quadrinhos que a estreia cinematográfica. Muita gente não sabe, mas o primeiro amor de Peter Parker antes de Mary Jane, foi a loirinha Gwen Stacy, sua colega de faculdade nos quadrinhos. Nos filmes de Raimi, essa etapa é pulada, com a conclusão introduzindo e subaproveitando a personagem, uma opção bastante infeliz, dada a importância dela para o universo do aracnídeo. 
Aqui, as motivações e escolhas de Peter que o transformam em Homem-Aranha, por exemplo, são mais críves. O mérito é do ator Andrew Garfield (o Eduardo Saverin, de A Rede Social), que entrega um personagem profundo e carregado de angústias, mais trabalhado que o de Tobey Maguire.

Desde o início (preste atenção na sequência de abertura) temos um garoto que busca se encontrar o tempo todo. À medida que vai fazendo suas escolhas, para o bem ou para o mal, Parker vê todas as consequências delas.

Ao contrário do personagem de Maguire, Garfield não tem esperanças de pertencer a um lugar/ambiente mas luta para provar a si mesmo suas capacidades.

A mola da trama é o crescimento de um adolescente, com todas as transformações (literalmente) envolvidas enquanto tenta conquistar a garota que ama. Uma história comum, uma das razões pelas quais nos identificamos com o personagem.

Voltamos, então, a Gwen Stacy (Emma Stone, de Superbad, Histórias Cruzadas), o interesse amoroso. Gwen é uma garota mais cativante que Mary Jane Watson (Kirsten Dunst) que, no primeiro filme, ficou praticamente reduzida ao papel de donzela em perigo.

A relação que eles desenvolvem ao longo dessa reestreia é muito mais verdadeira e tangível. A química entre os atores é tão boa que sai faísca. Não estranhe se você se pegar torcendo pelos dois. E sair apaixonado por Emma Stone.

O vilão-nem-tão-vilão-assim, Dr. Curt Connors (Rhys Ifans, Um Lugar Chamado Notting Hill, competente), o Lagarto, age motivado por um conflito interno: ajudar a si mesmo ou optar pelos benefícios que seus experimentos levariam à humanidade? Connors se distancia do ególatra Norman Osborn, o Duende Verde, (Willem Dafoe, no original), que faz experimentos em si mesmo para não perder um contrato de milhões com militares. Há desespero genúino. Pense em O Médico e o Monstro.

Considerado um vilão B na cronologia do Aranha, o Lagarto é uma boa escolha para começar a trilogia, que pode investir em vilões peso-pesados nas continuações já anunciadas após o filme faturar alto nas bilheterias. Lembrando que o Dr. Connors trabalha para a Oscorp, companhia de Osborn, que também é citado durante todo o filme...

A fita também explora o passado dos pais de Peter, fazendo um elo interessante com todo o desenrolar da história. Os tios Ben (Martin Sheen, Apocalypse Now, Wall Street, sensacional) e May (Sally Field, Forrest Gump, correta mas com pouco espaço) têm um relacionamento extremamente afetivo com Peter, e o carinho entre os três quase transpõe a tela. Uma família normal, afinal de contas.

A grande frase de Tio Ben na trilogia anterior "Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades", também mote das HQs, não é dita aqui, mas o sentimento é palpável. As escolhas de Peter ao longo da trama refletem isso e falar mais seria dar um tremendo spoiler.

Grandes poderes, grandes responsabilidades

Vemos o herói em ação no filme? O tempo todo. Peter passa a ser o Homem-Aranha desde a transformação, não por motivos óbvios, mas nas entrelinhas. Acompanhar o desenvolvimento do personagem enquanto se adapta à sua nova realidade, já é o ponto de partida.

Os movimentos do Aranha são fluidos, concisos. Não há exagero nos efeitos especiais, que são bastante impressionantes, e o CGI, tão em voga em qualquer arrasa-quarteirão, é usado à favor da grandeza que o herói representa, inclusive entregando interessantes sequências em primeira pessoa.
As cenas de ação são equilibradas. Nada entregue é gratuito, embora não escapando do clichê em certos momentos. Infelizmente, a trilha sonora de James Horner é esquecível se comparada a de Danny Elfman, da trilogia anterior.

O roteiro, escrito por James Vanderbit (Zodíaco) e revisado por Alvin Sergeant (Homem-Aranha 2 e 3) e Steve Kloves (parte da série Harry Potter), derrapa algumas vezes, mas se mantém seguro e conciso no geral.

O Homem-Aranha é apenas um cara que quer consertar um dos erros de sua vida e ganhar o coração da garota pela qual é apaixonado. Mesmo sob a máscara, ele não perde sua inocência. Poderia ser qualquer pessoa. Ou a história de qualquer pessoa.


No fim, os erros e acertos pertecem a Marc Webb. O diretor imprime seu estilo em um blockbuster e contorna tranquilamente os furos do script empregando uma carga de veracidade e paixão tamanha que tem tudo para superar a trilogia anterior. 

O trio Weeb-Garfield-Stone segue à risca o aforismo de Kureishi. O trunfo de O Espetacular Homem-Aranha reside justamente em sua honestidade. Que venham as continuações.


O Espetacular  Homem-Aranha (The Amazing Spiderman, EUA - 136 minutos). Nota: 4,5/5

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